Anos 80. Washington. Ronald Reagan ascende ao poder e, imediatamente,
trata de enfrentar uma greve de controladores de vôo com o objetivo de
“quebrar” o sindicato da categoria. É bem sucedido, no salvo inicial de uma
onda conservadora cujo objetivo de fundo era “rebaixar” o padrão de vida dos
trabalhadores norte-americanos para colocá-los em pé de igualdade com a
mão-de-obra do mercado internacional. Globalização 1.0. Pode-se identificar ali
um momento marcante da História. O da aceleração do processo de concentração de
renda que hoje bate recorde no Grande Irmão do norte.
2015. Brasília. A Câmara dos Deputados, com os votos da base
supostamente aliada de um governo nominalmente comandado pelo Partido dos
Trabalhadores, aprova o PL 4.330 (324 votos a 137), que permite a qualquer
empresa brasileira funcionar totalmente com terceirizados. Uma empresa de ônibus
só com motoristas terceirizados. Uma montadora de veículos só com operários
terceirizados. Um hospital só com médicos e enfermeiras terceirizadas.
Muito embora a comparação acima seja de nossa lavra, o sociólogo Ruy
Braga, autor do indispensável A Política do Precariado, concorda
que se trata de um momento histórico. É, segundo ele, a maior derrota dos
trabalhadores brasileiros desde o golpe de 1964. Marca o fim de qualquer
pretensão “neodesenvolvimentista” do governo Dilma. Encerra um ciclo em que a
valorização do salário mínimo turbinava o mercado consumidor interno como
alternativa às exportações. Para Ruy Braga, o que a elite brasileira busca é
dar ao trabalhador brasileiro um padrão salarial e de direitos “menor que o do
trabalhador chinês”.
Hoje, há cerca de 50 milhões de trabalhadores brasileiros contratados
diretamente e de 12 a 13 milhões de terceirizados. Aprovado o PL 4.330, em 5 a
6 anos, calcula Ruy, a proporção de terceirizados será de 60% a 40%.
Consequências? Redução da massa salarial e, portanto, do mercado interno, queda
na arrecadação — que, aliás, sustenta os projetos sociais — e redução geral dos
salários em torno de 30% (segundo a CUT, a diferença salarial entre contratados
diretamente e terceirizados é hoje de 27,4%).
Derrotado, o governo Dilma não terá mais qualquer relação com os
“trabalhadores” da sigla PT. Aliás, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy,
reuniu-se com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para tratar do PL 4.330.
Mas apenas para manifestar preocupação com eventual queda na arrecadação. Queda
que, segundo Ruy, acontecerá, apesar de garantias em contrário.
Para Braga, a “privatização branca” da seguradora da Caixa Econômica
Federal, anunciada hoje, deverá ser seguida por outras, de empresas ligadas à
Petrobras, como a BR Distribuidora. É a forma encontrada pelo governo Dilma
para estimular a economia, mas de uma forma cada vez mais subordinada aos
interesses do mercado financeiro.
Clique abaixo para ouvir a imperdível entrevista de Ruy Braga (segue um
resumo):
– O país entra numa nova fase de relações de trabalho precárias;
– Das últimas 36 missões do Ministério do Trabalho para resgatar
trabalhadores em situações análogas à escravidão, 35 envolviam empresas
terceirizadas;
– É a maior derrota da classe trabalhadora desde a ditadura militar;
– O governo do PT foi incapaz de propor uma lei contra a demissão imotivada,
que funcionaria como antídoto ao PL 4.330;
– Do ponto-de-vista dos trabalhadores, acaba qualquer tipo de
ligação de interesses com o governo Dilma;
– Os salários dos terceirizados geralmente ficam 36% abaixo dos de
contratados diretamente;
– O horizonte da elite econômica é rebaixar as condições salariais e as
condições de vida da classe trabalhadora para padrão menor que o chinês; 36 a
37% da economia brasileira dependem de trocas internacionais e os trabalhadores
vão entrar como bucha de canhão;
– Se houve esboço de um projeto neodesenvolvimentista, ele é página
virada com Joaquim Levy no Ministério da Fazenda; o que se delineia é um
aprofundamento do controle da economia pelo capital financeiro; o que se vê é
um governo de joelhos, que só tem a oferecer um novo ciclo de privatizações
brancas (a seguradora da Caixa Econômica Federal como primeiro exemplo);
– Vai se intensificar a luta distributivista, ou seja, a luta pelo
controle do Orçamento e o governo Dilma já demonstrou que não tem absolutamente
nada a oferecer aos trabalhadores.
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