Falta de concentração, dificuldade de
tomar decisões, erros ou acidentes e grande número de faltas são os impactos
mais significativos da violência doméstica na vida profissional de milhares de
mulheres no Brasil. Pela primeira vez, esses impactos foram contabilizados: a
economia do Brasil perde cerca de R$ 1 bilhão devido às consequências da
agressão sofrida pelas trabalhadoras dentro de suas casas.
O dado foi apresentado hoje (24) em
coletiva na reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, como
parte do segundo relatório da Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência
Doméstica e Familiar, que acompanhou a vida de 10 mil mulheres nas nove
capitais nordestinas desde 2016.
As 250 pesquisadoras identificaram e
quantificaram o peso dos diferentes tipos de violência na vida laboral
feminina. O estudo foi feito em parceria com o Instituto Maria da Penha e com a
participação de pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa. Segundo o estudo,
48% das entrevistadas de Teresina (PI) disseram ter a saúde mental afetada por
conta das agressões sofridas em casa. Em seguida, vem Aracaju (SE), com 42% e
Natal (RN), com 40%.
A própria noção de felicidade fica
impactada com a convivência com uma pessoa violenta dentro de casa. Somente
metade das entrevistadas que sofreram violência doméstica disseram se sentir
felizes, contra 74% das que não passam por situações de agressão.
“Eu tinha que ter uma programação em
casa que me afastasse dele o máximo possível. Quando ele estava para chegar em
casa, eu pegava as crianças para levar para a escola, fazia um lanche antes de
ir para o trabalho, porque não tinha almoçado em casa. No trabalho, em alguns
momentos, eu estendia o horário para poder compensar algum distanciamento meu”,
relata Maria da Penha Fernandes, farmacêutica que deu nome à lei que pune a
violência doméstica praticada contra mulheres, sobre o dia a dia no trabalho e
os maus-tratos praticados pelo marido.
A pesquisa revelou que, em média, as
mulheres que são agredidas dentro de casa faltam 18 dias por ano. Além disso,
elas também passam menos tempo empregadas em um local de trabalho: são, em
média, 58 meses, contra os 78 meses que uma mulher que não sofre violência
permanece empregada.
Por tabela, a situação reflete no
salário, que fica reduzido em cerca de 10%. Esse impacto é maior em Fortaleza
(CE), onde a trabalhadora vítima de violência ganha o equivalente a R$ 5,98 por
hora trabalhada, contra R$ 9,11 das que não são vítimas de violência. Além
disso, mulheres negras que vivenciam violência doméstica chegam a ganhar 22%
menos do que mulheres brancas que passam pela mesma situação.
“A violência deprecia o capital
humano da mulher. Grande parte do empoderamento feminino vem da capacidade de
trabalho. O homem produz a violência contra a mulher, causa todos esses
impactos, cria uma sequela na economia e retroalimenta essa relação: ele sabota
a mulher como trabalhadora e ela perde esse empoderamento. Os setores públicos
e privados não fazem praticamente nada para reverter isso”, diz o professor
José Raimundo Carvalho Júnior, coordenador da pesquisa.
Como sugestões de mudanças para esse
cenário, os pesquisadores defendem políticas de recursos humanos para
identificar e apoiar empregadas vítimas de violência. O professor cita como
exemplo experiências norte-americanas que promovem, entre outras
possibilidades, a mudança de local de trabalho ou de horário como forma de
evitar a exposição da trabalhadora ao seu agressor.
“Essas são iniciativas de altruísmo,
mas também de bons empresários, pois eles sabem o impacto dessa violência nos
seus negócios. Se a situação de violência cessar, essa empregada voltará a ser
produtiva. Essa é a lógica econômica e não se pode ter medo disso. No Brasil,
ao contrário disso, essas empregadas são demitidas.”
Como política pública possível, uma
vez que o Brasil não dispõe de um mecanismo que compreenda a violência
doméstica como risco de trabalho, os pesquisadores defendem a aprovação do
Projeto de Lei 296, em tramitação no Congresso Nacional desde 2013, que cria o
auxílio transitório em decorrência de risco social provocado pela situação de
agressão no âmbito familiar.
Fonte: Agência Brasil
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