. José Pastore
Há vários anos,
acadêmicos, empresários e dirigentes sindicais –laborais e patronais– vêm
propondo mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de modo a dar
força àquilo que é livremente negociado entre as partes junto com a assistência
dos sindicatos.
Das várias tentativas
encaminhadas ao Congresso Nacional, uma chegou a ser aprovada pela Câmara dos
Deputados, mas foi retirada a pedido do ex-presidente Lula. Trata-se do PL 5.483/2001.
Outra foi a emenda 155. Apesar de aprovada
pela comissão especial da Câmara, que deu parecer sobre a Medida Provisória
680, foi rejeitada no plenário.
Em 2015, entrou em campo
um peso pesado do Poder Judiciário, o ministro do STF Luis Roberto Barroso. Em
voto no Recurso Extraordinário 590.415 do Banco do Brasil, ele propugnou que
no âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de
assimetria de poder presente nas relações individuais.
Isso significa que, pela via da negociação
coletiva, as partes têm total liberdade para estipular o que acham mais
conveniente, preservadas, é claro, as normas constitucionais, de saúde e de
segurança do trabalho.
Em seguida, o ministro faz a distinção
entre o modelo de normatização autônoma –baseado na liberdade das partes– e o
modelo de normatização heterônoma –baseado exclusivamente nas leis. Ele
distingue os dois dizendo que:
1. O modelo de normatização autônoma se
caracteriza pelo predomínio de normas baseadas na autonomia privada das
categorias de empregadores e de trabalhadores. Esse é o modelo das democracias
consolidadas, defendido pela Organização Internacional do Trabalho.
2. O modelo de normatização heterônoma que
prevalece no Brasil segue um padrão corporativo-autoritário que rejeita a
autocomposição e a produção de normas privadas.
Mais importante do que essa distinção é a
observação de que a Constituição de 1988 optou pelo modelo de normatização
autônoma, pois ela, conforme o ministro, "prestigiou a autonomia coletiva
da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas".
Com base nisso, Barroso conclui que aquela
Constituição se afastou do modelo corporativo-autoritário ao inserir no artigo
7º inúmeros direitos sujeitos à negociação coletiva. Para comprovar sua tese,
cita incontáveis exemplos.
Em seguida, declara com todas as letras a
supremacia da negociação coletiva, ao afirmar que "as regras autônomas
juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam
restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem
setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta
[...]".
Mais adiante, ele reforça a referida supremacia, quando diz que a negociação
coletiva busca incentivar o diálogo e possibilita que as próprias categorias
econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão,
garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação.
Segundo o ministro, "a concepção
paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar
as suas próprias decisões, de apreender com seus próprios erros, contribui para
a permanente atrofia de suas capacidades cívicas e, por consequência, para a
exclusão de parcela considerável da população do debate público".
Com isso, o ministro Barroso conclui que
não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos
coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da
vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho. Também
que o reiterado descumprimento dos acordos provoca seu descrédito.
O voto do ministro Barroso foi acompanhado
por todos os demais ministros. Ou seja, foi uma decisão unânime do Supremo
Tribunal Federal.
Portanto, a cruzada em busca da liberdade
para as partes estabelecerem, por negociação coletiva, regras diferentes das
leis não está perdida. Além do importante reforço do STF –acima indicado–,
continuam tramitando no Congresso Nacional vários projetos de lei com o mesmo
teor, como, por exemplo, os PLs 4193/2012 e 8294/2014. Vale a pena continuar
lutando.
José Pastore é Doutor Honoris Causa em Ciência e Ph. D. em sociologia pela University of Wisconsin (EUA). É professor titular da Faculdade de Economia e Administração e da Fundação Instituto de Administração, ambas da Universidade de São Paulo. É pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e consultor em relações do trabalho e recursos humanos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário