Ao citar raízes históricas e legais
do desequilíbrio social no Brasil, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello
Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), criticou as iniciativas de
ampliar a terceirização, vendo inclusive afrontas à Constituição. "Terceirização, para mim, equivale a uma
palavra: desigualdade", afirmou, durante seminário promovido por um
escritório de advocacia (LBS) em São Paulo. O magistrado
citou o artigo 3º da Carta de 1988, que define como um dos objetivos da
República "construir uma sociedade livre, justa e solidária", para
acrescentar que "uma Constituição não pode ser entendida como mera
declaração", mas como resultado de uma decisão política, com uma proposta
a ser perseguida.
O objetivo do encontro
era discutir a terceirização nas chamadas atividades-fim das empresas, questão
que tem sido sistematicamente barrada no TST e que chegou ao Supremo Tribunal
Federal (STF), causando preocupação no movimento sindical. Para o ministro, há um estigma em
relação à questão social que atinge inclusive o Judiciário trabalhista.
"De 43 (ano de promulgação da CLT) até hoje, o estigma de ser um diploma
anarquista propagou-se e gerou um estigma para a própria Justiça do Trabalho. É
difícil convencer que existe o Direito do Trabalho para quem não milita
nele." O juiz faz referência a críticas contra a CLT "porque trazia a
codificação do Direito social".
Além de
perda de direitos, o magistrado afirma que a terceirização provoca "perda
da identidade profissional do trabalhador". E Melo Filho dá como exemplo
terceirizados do próprio TST. "Eles não olham para nós, não têm sentimento
de identificação", diz. Para o juiz, terceirizar também
representa tirar da empresa "o que lhe é essencial, o risco".
Essa análise havia sido feita,
minutos antes, pelo professor Calixto Salomão Filho, da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP). "Empresa implica risco. O risco
é exatamente o elemento que justifica a remuneração", afirmou. "Ao
contrário do que parece, a terceirização é extremamente deletéria (para a
empresa). A terceirizada se torna uma grande gestora de mão de obra, casca sem
realidade empresarial própria, contrata, descontrata." Para ele,
terceirizar significa perder o controle sobre a atividade-fim e sobre a
produção, desorganizando a empresa.
Assim como o juiz, o
professor também cita exemplos entre os próprios terceirizados da instituição.
"Aqui se sente na pele o que é a degradação do trabalho. Parecem faces do
século 19, lhes garanto que é muito impactante." Para ele, a
empresa moderna deve "se abrir" e reconhecer os vários interesses
envolvidos, como os dos funcionários e das comunidades onde atuam. E cita a
legislação alemã, que prevê participação dos trabalhadores nos conselhos de
supervisão, com mais poderes que os conselhos de administração no Brasil.
O ministro do TST cita
diferenças salariais entre bancários e funcionários de call center no setor. E
afirma que de 1995 a 2008 morreram 257 trabalhadores em decorrência de
acidentes na Petrobras, sendo 81% terceirizados. "E dizem que isso é
melhoria das condições sociais", ironiza. Ele também identifica os contratos
de terceirização como grande foco de corrupção na administração pública. Na sua
palestra, ele fez referência ainda ao jurista Fábio Konder Comparato:
"Quatro séculos de escravidão são difíceis de ser afastados da ideias de
uma sociedade".
Melo Filho informou que o ministro
Luiz Fux, do Supremo, já se comprometeu a realizar uma audiência pública. "Ouvimos também de alguns ministros, e isso é
grave, que essa questão da terceirização é corporativa." Para ele, talvez
fosse necessário buscar uma nova alternativa no Parlamento. "A
democracia tem um aspecto muito importante, que é o dia seguinte. O projeto
(4.330) é ruim, parte de premissas erradas. O que eles querem mesmo é se
afastar do risco e da responsabilidade." Em relação ao STF, o ministro
afirmou que sua expectativa "é que, obviamente, não se usurpe a
competência do Tribunal Superior do Trabalho".
Nenhum comentário:
Postar um comentário