Portaria publicada
pelo Ministério do Trabalho muda o conceito de escravidão contemporânea no
país. Procuradores, juízes, auditores e organizações da sociedade civil
criticam a medida
“Um retrocesso de 20
anos”, “pá de cal” e “maracutaia”. Essas são algumas das formas que entidades
ligadas à erradicação da escravidão contemporânea no país descrevem a nova
portaria do Ministério do Trabalho sobre o combate a esse crime. Publicada no
Diário Oficial da União, nesta segunda (16), o documento assinado pelo ministro
do Trabalho Ronaldo Nogueira reduz as situações que caracterizam o crime e
dificulta a sua fiscalização.
A
portaria sujeita a concessão de seguro-desemprego aos trabalhadores resgatados,
que vem sendo pago desde 2003, e mesmo a validade da fiscalização a um novo
conceito de trabalho escravo. Entre as novidades, está a necessidade de
impedimento do direito de ir e vir para a caracterização do crime, tornando
irrelevante as condições de trabalho às quais uma pessoa está submetida.
Já o deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB-SP), autor da
lei paulista de combate à escravidão, aponta que a portaria “é uma gravíssima
violação democrática e a expressão clara do espírito autoritário e
descompromissado com o direitos humanos desse governo”.
Condições degradantes
A
portaria anula “condições degradantes” como um dos quatro elementos que
configuram trabalho análogo ao de escravo ao afirmar que essa situação só
existe com cerceamento da liberdade.
“Com a nova portaria, só
podemos considerar trabalho em condições degradantes se houver restrição de liberdade,
com pessoas armadas ou isolamento geográfico que impeçam o trabalhador de ir e
vir,” diz Antonio Mello.
De
acordo com o representante da OIT, empregadores que deixavam de fornecer água
potável, alimentação e descanso adequado antes podiam ser acusados de submeter
pessoas a condição degradante. Isso era suficiente para caracterizar trabalho
escravo. Mas, com a nova regra, essa configuração fica mais difícil.
“A
portaria traz a ideia reducionista que escravo é a pessoa amarrada sem
possibilidade de fugir. Essa é a ideia falsa utilizada no imaginário para
tentar convencer que a legislação atual é exagerada,” diz Xavier Plassat,
coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da
Terra.
Para
Rafael Garcia Rodrigues, procurador do trabalho e ex-coordenador nacional de
erradicação ao trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho, o objetivo
dessa medida também é aniquilar o conceito de servidão por dívida, um dos que
podem caracterizar o crime. “Só seria escravidão análoga se também tiver
exceção no direito de ir e vir por pessoas armadas. É um retrocesso
inacreditável.”
Hoje, a inclusão de empresas e pessoas na lista suja não depende
de seu aval e é responsabilidade da área técnica do Ministério do Trabalho.
“Transformar uma decisão técnica em política é escancarar que o governo vai
retirar quem interessar da lista. É um absurdo. É inadmissível”, diz Caio
Magri, do Instituto Ethos.
Fonte: site Repórter Brasil
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