O renomado consultor jurídico Raimundo Simão de Melo, procurador (aposentado) do trabalho é doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-São Paulo , professor de Direito de Processo do Trabalho e autor dos livros jurídicos Direito Ambiental do Trabalho e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Este artigo que o Blog do Sincomar publica na íntegra foi postado no site Consultor Jurídico.
“Os sindicatos são instituições sociais importantes num Estado
Democrático de Direito e nas relações de trabalho e, para bem cumprir o seu
papel, precisam de dinheiro para financiar as lutas e organizar os
trabalhadores. Esse dinheiro deve sair do bolso de todos os membros da
categoria, por meio de decisões legítimas e democráticas das assembleias.
Mas não é esse, até o momento, o
entendimento consubstanciado no Precedente Normativo 119 do Tribunal Superior
do Trabalho, que assim dispõe:
A Constituição da República, em seus artigos 5º, XX e 8º, V,
assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa
modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou
sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a
título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial,
revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando
trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem
tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente
descontados.
Nunca defendi o PN 119 e, quando membro
do Ministério Público do Trabalho, fui um dos protagonistas e defensores da
Orientação 3 da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical
(Conalis), nos seguintes termos:
É possível a cobrança de contribuição assistencial/negocial dos
trabalhadores, filiados ou não, aprovada em assembleia geral convocada para
este fim, com ampla divulgação, garantida a participação de sócios e não sócios,
realizada em local e horário que facilitem a presença dos trabalhadores, desde
que assegurado o direito de oposição, manifestado perante o sindicato por
qualquer meio eficaz de comunicação, observados os princípios da
proporcionalidade e razoabilidade, inclusive quanto ao prazo para o exercício
da oposição e ao valor da contribuição.
A orientação do MPT, para o momento, foi
ponderada e acertada, embora, pessoalmente sempre entendi que qualquer oposição
às decisões tomadas nas assembleias sindicais, inclusive sobre o custeio
sindical, deve ser apresentada nela, onde e quando se decide sobre os
benefícios reivindicados para toda a categoria, como também a forma de custeio
da campanha salarial e outras questões internas. Isso que é constitucional, porque
é direito de todos, inclusive dos trabalhadores, reunirem-se pacificamente em
assembleias para decidirem as questões que envolvam a categoria (Constituição
Federal, artigos 5°, XVI e 7°, XXVI). Se as assembleias valem para aprovar as
reivindicações e os acordos coletivos de trabalho e para autorizar os
sindicatos a negociarem, por que só não valem para a aprovação do custeio
sindical? Convenhamos, isso não tem a menor lógica e não se sustenta
juridicamente.
Desta forma, a contribuição assistencial
é instituto que não contém eiva de inconstitucionalidade ou ilegalidade, ao
contrário do que consta no PN 119 do TST, porque, ademais, é de se ressaltar
que todas conquistas da decisão normativa ou da negociação coletiva beneficiam
todos os integrantes da categoria profissional, não se configurando qualquer
hostilidade ao princípio da legalidade ou da livre associação o estabelecimento
da forma de custeio dos sindicatos por todos aqueles que pertencem às
categorias.
A aplicação do aludido PN, ao contrário,
demonstrou, na prática, o que muitos nunca quiserem aceitar, a sua
inconstitucionalidade, porque ao contrário da assertiva de que cobrar referida
taxa dos não sócios era uma forma de obrigá-los a serem sócios do sindicato, o
que está acontecendo é que muitos trabalhadores estão dando baixa no sindicato
porque são eles, na forma da orientação do PN 119, que têm que arcar com o
sustento do sindicato e, os outros, não sócios, que não pagam nada, recebem os
mesmos benefícios! Então, perguntam os trabalhadores filiados aos sindicatos:
para que ser sócios, se todos recebem os mesmos direitos conquistados pelo
sindicato sem nada pagar?
Por isso, em entrevista, o presidente do TST, ministro Antônio de
Barros Levenhagen, defendeu que os sindicatos têm o direito de receber uma taxa
do salário do trabalhador, mesmo que ele não seja filiado, para arcar com as
despesas da entidade de classe, colocando em votação proposta de alteração do PN 119 e o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 17 da Seção de Dissídios
Coletivos, que tratam da contribuição para entidades sindicais. A proposta foi
aceita por 12 votos contra 11. O Regimento
Interno do TST, porém, exige, para a aprovação, revisão ou
cancelamento de súmula ou de precedente normativo, a aprovação da maioria
absoluta, ou seja, 14 votos.
Como se vê, a maioria dos ministros
responsáveis pela elaboração e reforma da jurisprudência do TST passou a
entender que a orientação do PN 119, como está, não mais se sustenta no cenário
jurídico-constitucional brasileiro, porque, como penso, ofende a Constituição
Federal em vários dispositivos, especialmente o inciso I do artigo 8°, que veda
a intervenção e interferência indevida do Estado na organização sindical, que é
o que está acontecendo, quando o Estado não aceita as decisões soberanas das
assembleias sindicais, ou as aceitam apenas em parte.
Espera-se que em breve a questão volte à
apreciação pelo TST e que seja encontrada uma solução consensuada para a
questão do custeio sindical entre o movimento sindical e o Estado brasileiro
(Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho), pelo menos por ora,
porque a questão precisa ser resolvida de forma definitiva por uma lei aprovada
pelo Congresso Nacional”.
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